domingo, 27 de março de 2011
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular apresenta a exposição “Senhores da Terra”, na Galeria Mestre Vitalino do Museu de Folclore Edison Carneiro. A mostra reúne obras de coleções privadas e do acervo do MFEC, e permanecerá em cartaz até o dia 3 de abril de 2011.
Senhores da Terra é o quarto momento de uma série de exposições que começou, em 2002, exibindo fios-de-contas, imagens e objetos relacionados à iniciação e à vivência nas religiões afro-brasileiras (Identidade por um Fio – Colares e Fios-de-Contas no Culto dos Orixás). Seguiu, em 2003, focando em Exu, a divindade afro-brasileira que comanda as aberturas e as encruzilhadas (Exu – o Senhor das Portas) e, em 2004, concentrou-se em orixás vinculados à conquista, provimento e cuidado (Awòn Olodé – Os Senhores da Caça).
Esta edição agora direciona seu olhar a orixás da terra: Obaluaê, Oxumarê, Euá, Nanã, Iroco e Onilé. Contudo, saudando Exu, como nas etapas anteriores, e evocando Ossãe, dados os vínculos do orixá das folhas com a temática da saúde que perpassa os mitos desses orixás, profundamente conectados à dinâmica da vida humana. Enredos míticos também justificam a presença de Iemanjá, mãe adotiva de Obaluaê.
A exposição foi composta pelo talento e o rigor de artistas atuantes no Rio de Janeiro e na Bahia:
* Cooperativa Abayomi (Lena Martins, Luiza Borba, Sonia Santos e Cristiane Ferraz);
* Eucanaã Ferraz;
* Francisco Moreira da Costa;
* Gerar;
* Greiffe;
* Jorge Rodrigues;
* Júnior de Odé;
* Louco Filho; e
* Wuelyton Ferreiro.
LOCAL:
Galeria Mestre Vitalino – Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular
* Rua do Catete, 179 (metrô Catete), Rio de Janeiro.
Funcionamento:
* Inauguração: 15 de fevereiro de 2011, às 18h
* Período: Até 3 de abril de 2011
o Terça a sexta-feira, das 11 às 18h
o Sábados, domingos e feriados, das 15 às 18h
Realização:
* Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP);
* Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Apoio:
* Associação Cultural de Amigos do Museu de Folclore Edison Carneiro (Acamufec);
* Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq);
* Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Informações: Setor de Difusão Cultural
* tel: (21) 2285-0441, ramais 204, 205 e 206
* e-mail: difusão.folclore@iphan.gov.br
* internet: www.cnfcp.gov.br
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Texto retirado da página do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular.
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Galo que hoje canta, ainda ontem era pinto: uma análise sobre o processo de formação religiosa no candomblé e na umbanda
por Cintia Raymundo
Orelha não passa a cabeça diz os antigos.As religiões de matriz afrobrasileiras se caracterizam por um complexo sistema hierárquico meritório, temporal e , principlamente, predeterminado.
O candomblé possuí um sistema classificatório de formação religiosa: abiã,yawô, ebômi.
Abiã é o adepto na fase inicial dos ritos iniciáticos.Ele aprenderá o que for permitido.Será integrado a comunidade e terá tempo para se certificar de suas decisões.Muitos, por determinação do orixá, continuam abiã por muito anos.O yawô é aquele com menos de sete anos de iniciação, onde o neófito é consagrado ao Orixá.Assim definiu o etnólogo Herskovits
O iniciado é agora feito, um membro júnior habilitado do grupo de candomblé.Como tal, o novo iaô tem a oportunidade , não concedida a estranhos, de aprender o trabalho dos deuses e participar do culto público..
Os ebômis são os iniciados que completaram a obrigação de sete anos.São consideradas pessoas a quem deve respeito e a quem sempre devem ser ouvidas.Estruturam o que o antropólogo Vivaldo da Costa Lima denominou "princípio da senioridade". Um complexa rede socioreligiosa construída com tempo , abnegação e merecimento.A partir da obrigação de sete anos, o ebômi se torna apto a assumir cargos dentro do axé.O cargo de santo é uma atribuíção determinada pelo odu e pelo Orixá.Pré determinado, é ancestral.Atribuíção de cargo por motivos pessoais sempre ocasiona, com o passar do tempo, brigas e rupturas.O orixá sempre faz valer a sua vontade.
A relação entre o candomblecista e a divindade é fundamentada através das "obrigações",liturgias pós iniciação que se denomina respectivamente: obrigação de 1 ano, obrigação de 3 anos e obrigação de 7 anos.Elas não necessariamente obedecem ao tempo decorrido.Uma pessoa com vinte anos de iniciada que não completou o ciclo de obrigação de sete anos não será considerada ebômi.Assim como um pessoa com seis ou menos anos jamais poderá passar pela obrigação de 7 anos.Os antigos preservaram e perpetuaram essa tradição de formação religiosa.Talvez a dinâmica do tráfico escravista possa somar as explicações para este sistema religioso.Muitos escravos poderiam ser iniciados e , posteriormente, vendidos, rompendo alianças religiosas.Para assegurar uma continuidade e preservar saberes o sistema de obrigações cíclicas se tornou eficiente para candomblé.Permitiu criar parâmetros de legitimidade e reforçar o príncipio de senioridade.
Para os antigos,nenhuma pessoa pode se declarar babalorixá ou yalorixá sem passar pelo ciclo de obrigações e sem receber o decá, símbolo certificador que o adepto possuí odú e está autorizado pelos Orixás a abrir uma casa de santo.
Na década de 30, o folclorista Édison Carneiro analisou casos de pessoas que se tornavam zeladores sem obedecer a uma tradição de candomblé.Muitos eram candomblés de caboclos onde o encantado assumia a responsabilidade sobre o preparo religioso do sacerdote.Era , na época,um novo segmento, que embora fosse muito questinado,existe e possuí muitos adeptos.Atualmente, muitos desses candomblés adotam o sistema de obrigações ciclícas.
O processo de formação religiosa na umbanda é caracterizado pela doutrinação.Médium e entidade seguem a doutrina de determinada casa. Há tradições de umbanda direcionada por preto velho, com forte influência africanista.Outras seguem a tradição dos caboclos, marcados pela pajelança e jurema e outros seguem uma orientação espírita e/ou esotérica. A umbanda possuí rituais de senioridade: camarinhas, firmezas, batismos e amacis.Muitas obedecem ao sistema de sete anos, com rituais ciclicos e específicos de cada tradição Importante ressaltar que o determinante para a Umbanda são as entidades.Elas são as donas de gongá,determinam o caminho da espiritualidade do médium e a orientação da casa religiosa.Não há sacerdócio na Umbanda sem Entidade Espiritual.O médium a qual a entidade determina a abertura de uma casa deve ser preparado, passar por obrigações, saber preparar defesas, familirizar com os códigos de santo.Abrir uma casa de umbanda sem preparo signica lidar com o desconhecido,ocasionando danos a vida dos sacerdotes e de terceiros.
O mais importante tanto na umbanda e no candomblé é saber que sacerdócio é ancestralidade, é comprometimento e abnegação.O candomblé chamará de odú e alguns umbandistas chamará de missão.Como diz o ditado "Galo que hoje canta, ainda ontem era pinto", ou seja é preciso aprender para ensinar.
Mães
por Cintia Raymundo
Oduduwa, orixá do negro
Lua Minguante , primordial
Mulher que completa o que o homem não consegue terminar
Mulher que sobrepuja astros
Mulher que regozija com êxito
Aspecto maduro, criação
Mulher que atemoriza mitos
Face de ave
Mulher poderosa que delega funções
Ancestral,nós te saudamos
Mulher negro que compartilha segredos com Nãnã,orixá púrpuro
Nãnã, senhora de poucos humores
Que se veste com esmero sem vaidades
Mulher que conhece os homems a ponto de evitá-los
Sábia que vitimiza a falsidade
Anciã,Velha senhora da criação
que se escondeu para guardar segredos
Que confidencia com as ancestrais
Aspecto soturno da lua minguante
mulher que sabe conviver com sua culpa
Digna carregando sua penitência.
Mulher da lua negra
Euá Lua Nova
menina arisca,
imaculada
menina que poucos vêem, só se ouve falar
jovem que não se deixa conhecer
herdeira de segredos ancestrais
menina moralista com manias de velha
obscura lua nova que não mostra a face
menina que dorme ao pé de Iroko
junto com as feiticeiras
Menina mulher encantada de muitas formas
vermelho pó de ossum
faixa branca do arco íris
amarelo ouro da rica serpente
rosa encarnada do entardecer
menina que cura como velha
menina do adô
menina que conjura como velha
advinha, bela
engana a morte
faz vatícinios
até orunmilá é seu devedor
Menina rosa salmão encantada
como Oya Onirá
Menina bela e estranha que anda na encruzilhada, anda em cemitério
que está no rio, que está na estrada
vento branco e fogo vermelho ao mesmo tempo
ninfa encantada , transformação
ninguém pode dizer com segurança onde ela está
face oculta lua nova
e em pouco tempo surge lua crescente
Oya, Iansã
Orixá que acorda pronta com a guerra
Mulher que fala com um o que falaria para todos
Mulher conquista que destesta bajulações
Mulher que diz "o vento faz curva"
leva tudo: palavras, sentimentos , vingança
Mulher esposa de um rei que prefere usar sua própria coroa
Mulher armada, perigosa a quem poucos enganam
Mulher ejé, fertilizadora
Paixão rápida, arrebatadora
Temperamental
Fascínio impetuoso
quem nunca viu Oya irritada, ainda está para nascer
Orixá mulher que nos livra do efadonho
Que nos permite expulsar os mentirosos
Mulher poderosa que negocia com a morte
Mulher que faz tudo se perder quando está descontente
Oya, nós te veneramos
Lua crescente, fecunda, gema de ovo, fertilidade
Oxum, mulher que tem orgulho de ser mulher
Que porta armas discretamente
que recebe seus inimigos sorrindo
é sincera em seu cinismo
Orixá barriga do mundo,útero
Rainha que usa quantas coroas puder
Orixá amarelo- ovo, fertilidade
amarelo- coral, guerra
amarelo-ouro, riqueza
amarelo-mel, feitiço
Mulher que se faz ser bela
Vaidosa, ciumenta e digna
Toda mulher é Oxum
Mulher que se enfeita no rio, mulher que batiza,
que faz atividades obscuras na mata, feitiçaria
Mulher que tem um vestido novo para cada ocasião
que tem muitas fases: jovem,mulher, anciã
que tem quantos maridos quiser
Mulher do amor doce
que pode se refletir no espelho das ancestrais
Herdeira preferencial
Nós te saudamos!
Orixá maturidade, fecundável...lua cheia
Yemanjá, conhecedora de todos os pensamentos
Ya Ori
Grande seio do mundo
Instável senhora a quem todos respeitam
que chora com propriedade
que reclama em cada oportunidade
que conserta aquilo o que ela mesmo estragou
e saí venerada
Senhora Mãe que tantas mitologias se prezam a eternizar
encantada dos mares
recebe a todos
cuida de todos
sem nada esquecer
Mulher mistério, multifacetada
que guerrea com ogum
e pacifica com Oxalá
Mulher que traz o que está longe
que unifica famílias
mulher esposa fértil
que sabe fugir na hora certa
que sabe fingir na hora certa
mulher que diz pelo olhar
Mulher de guerra e madura é Oba
Plena, sábia como a lua cheia
Líder de sociedade secreta
Mulher que lida com fogo
mulher amazona que caça com presteza
Oba que faz arder paixões, ciumenta
quer ter o que a ela julga pertencer
que transforma humilhação em força
Mulher que não se apresenta a tóa
Ancestral que se encanta nos sentimentos mais espontâneos da humanidade
Nossas reverências
E assim, em toda cultura, a Grande Mãe tem várias fases como a Lua, protagonista da noite...
sábado, 5 de dezembro de 2009
Oni Ewé: o culto de Ossaim e o uso litúrgico das plantas nos candomblés iorubás no Brasil
por Cintia Raymundo(Cintia da Oxum)
Oríkì fún Òsónyìn
Ìba Òsónyìn
Ìba oni èwé
kó si arun
Kó si akoba
Àse
Oríkì para Òsónyìn
Elogio para o espírito do medicamento das folhas
Eu elogio o dono do medicamento das folhas
Me livre de adoecer
Me livre da coisa negativa
Eu dou graças ao dono do medicamento
Axé[1]
A fitolatria é uma característica central dos candomblés iorubas. As folhas são consideradas sagradas e sua utilização é um dos principais awó(segredo) dos sacerdotes. O uso litúrgico das folhas é um dos mais complexos rituais e requer sacerdotes especializados denominados babalossaim.
As folhas ou ervas sagradas pertencem ao Orixá Ossaim, o Oni Ewé(dono das folhas).Um dos mais conhecidos mitos iorubas justifica esse pertencimento:
Ossaim era o filho caçula de Iemanjá e Oxalá e, desde pequeno,vivia no mato .Tinha uma habilidade especial para tratar qualquer doença , por isso viajava pelo mundo inteiro , sendo sempre recebido com carinho pelo rei de cada tribo.Ele recebeu de Olodumaré o segredo das folhas ; assim sabia qual delas curava doenças , trazia vigor ou deixava as pessoas mais calmas .Os outros orixás invejavam Ossaim por isso .Em troca dos suas curas ,Ossaim aceitava fumo, mel e cachaça.
Xangô , que era temperamental, não admitia depender dos serviços de Ossaim, e por isso pediu sua esposa Iansã , orixá que domina os ventos, para que as folhas voassem em direção a todos os Orixás para que cada um desses tivesse suas folhas particulares .Assim Iansã fez. Soprou forte seu afééfe(vento), espalhando todas as folhas se Ossaim.Em meio a ventania , Ossaim exclamava “ewé àsa”( minhas folhas). Esse tipo de reza permitiu que Ossaim reservasse para si o segredo das folhas .Embora cada orixá possua suas folhas, somente Ossaim sabe os encantamentos (ofó) delas.Dessa forma, Ossaim é considerado o senhor do Igbo, da floresta e o patrono do curandeirismo e da medicina.[2]
Ossaim é o orixá masculino do ar livre, governa a floresta, juntamente com Oxossi. Senhor do axé (força ) existentes nas folhas e nas ervas , ele não se aventura nos lugaresonde o homem modifica os espaços ,construindo edificações . É bastante cultuado no Brasil sendo o Orixá da cor verde, do contato mais íntimo e misterioso com a natureza. Seu domínio estende-se ao reino vegetal, às plantas, mais especificamente às folhas, onde corre o sumo. Por tradição, não são consideradas adequadas ao Orixá Ossaim, as folhas cultivadas em jardins ou estufas, mas as plantas selvagens, que crescem livremente sem a intervenção do homem. As áreas consagradas a Ossaim nos candomblés iorubás são os pequenos recantos e as passagens mais isoladas das florestas, onde só determinados sacerdotes (babalossaim) podem entrar. A cerimônia onde as folhas de ossaim são colhidas e encantadas são denominadas sassayim O emblema de Ossaim é uma haste central de ferro rodeada de outras seis , com um pássaro de ferro na extremidade da haste central representando seu poder de feitiçaria . Ossaim é uma divindade de extrema significação, pois praticamente todos os rituais importantes utilizam, de uma maneira ou de outra, o sangue escuro que vem dos vegetais, seja em forma de folhas , infusões para uso externo ou de bebida ritualística.
As folhas no sistema litúrgico iorubá pode ser classificadas de acordo com os quatro elementos da natureza: ar, terra, fogo e água.Assim, existe as folhas do ar(ewé afééfé), as folhas do fogo (ewé inã), as folhas da água(ewé omi) e as folhas da terra (ewé ilé ou ewé igbo). Dessa divisão , as folhas são reclassificadas quanto a sua propriedade de ser quente ou fria, ou seja, sua capacidade de agitar ou acalmar uma pessoa.Quando a folha é fria é denominada de ewé ero, quando é quente se denomina ewé gun.As folhas frias estão relacionadas aos orixás do elemento ar e do elemento água como Oxalá, Oxum, Yemonjá.Essas folhas são as recomendadas para os chamados banhos da cabeça aos pés.As folhas quentes são relacionadas aos orixás da terra e do fogo e seus banhos devem ser, exceto em casos especiais, do pescoço aos pés.
As folhas também se classificam quanto ás suas características masculino/feminino, negativo/positivo, esquerda/direita ,fecundantes/ fecundáveis.As folhas masculinas são consideradas folhas positivas e da direita(ewé apa òtún) e as folhas femininas são compreendidas como folhas negativas e de esquerda(ewé apa òsí). As ewé inã e as ewé afééfé são consideradas folhas fecundantes e as ewé ilé e ewé omi são consideradas folhas fecundáveis.
O agbó sagrado, mistura de sangue vegetal fundamental em vários aspectos da liturgia dos candomblés iourubás, é compreendido de 16 folhas , sendo 8 folhas gerais(fixas) e 8 folhas variáveis conforme o carrego de santo[3] de cada pessoa .As oito folhas gerais ,segundo a classificação de Pessoa de Barros,[4] são: pèrègun,toto,rínrín, ewé òwù,tètèregun, awùrepépé, ewé ogbò, gbòrò ayaba.
Essas folhas juntamente com elementos ossum, wagi e efum constituem elementos primordiais e sua ocorrência no Brasil dependeu, principalmente, da utilização nas seitas religiosas.
Dentre as plantas oriundas do continente americano ou nativas do Brasil estão:
A folha de pèrègun (dracena fragans (l.) Ker Gawl)é popularmente conhecida como dracena, nativo, pau-d’água e coqueiro-de –vênus.Pertencente ao orixá Ogum e ao elemento terra/ masculino , é uma planta de origem africana e largamente difundida no Brasil .O peregun possui grande importância na liturgia dos candomblés iorubas .É uma folha protetora dos espaços , demarcando ambientes sagrados. Constitui ainda uma folha para decoração dos salão públicos , pejis e assentamentos de Orixás ,além de entrar na indumentária de muitos Orixás como Ossaim.
O tètèregun( Costus spicatus Swartz.), planta nativa do Brasil conhecida como cana -do -brejo,é considerada a “folha da vida e da morte”, entrando nas liturgias de iniciação.É uma folha representativa dos ritos de passagem e inserida nos cultos aos Orixás no Brasil.
A planta awùrepépé (Spilanthes acmella) é nativa da América do Sul e encontrada em todo Brasil.Nesse recebe os nomes de agrião-do-pará,jambu e treme-treme.Pertence aos orixás Oxalá e Oxum. É uma das plantas que entra nas misturas vegetais para “abrir a fala” dos orixás.Muito utilizada na culinária do norte do país , constitui de outra readaptação vegetal na liturgia iorubá.
O gbòrò ayaba(Ipomoeapes-caprae), conhecida como salsa-da-praia no Brasil, é uma planta originária da Améria tropical.Pertence ao Orixá Yemonjá e ao elemento água. Yemonjá está relacionada ao culto de orí(cabeça) . Ya Orí(mãe das cabeças) é um dos títulos desse Orixá.
As plantas de origem asiáticas compreendem:
O ewé òwù( Gossypium barbadense), folha conhecida no Brasil como algodoeiro, pertence aos Orixá Oxalá e Orumilá sendo representante do elemento ar.Planta originária da China , o algodão tem ampla utilidade nas liturgias dos candomblés .O algodão é uma planta pertencente ao odu Osá, signo feminino do sistema oracular de Ifá, responsável pelo fluxo menstrual e pelo útero. Osá é o principal signo das Ya mi oxorongá, as grandes feiticeiras africanas.Na fitoterapia, o algodão é indicado para combater disfunções do ciclo menstrual e dores no útero.
O tótó(Apinia zerumbet) é conhecida no Brasil como a folha de colônia. Pertence aos Orixás Oxum, Yemonjá e Oxalá.Planta originária da Ásia e,largamente ,cultivada no Brasil devido sua adaptação ao clima tropical.Planta de fundamental importância nos candomblés iorubas, é recomendada para acalmar as pessoas e no combate à histeria.
Dentre as de origem africanas estão:
A folha de rínrín( Peperomia pellucia) ,conhecida no Brasil como alfavaquinha de cobra e/ou oriri de Oxum ,é uma planta de origem africana que se proliferou por todo o Brasil.Pertence ao Orixá Oxum , estando articulada ao elemento água.Essa planta está articulada com os olhos pois Oxum é a única divindade feminina relacionada ao culto de Ifá.Oxum é aptebi( título honorífico no culto de Ifá) do culto do deus da advinhação ,por isso as práticas oraculares recorrem freqüentemente a essa planta.No Brasil, o oriri de Oxum além de ser uma planta voltada para vidência de jogo de búzios ,também é uma planta utilizada em trabalhos para fins amorosos.Isso , possivelmente, se deve ao fato do Orixá Oxum ser considerada o orixá do amor.
A folha de ewé ogbò( Periploca nigrescens ), pertence aos orixás Oxossi e Ossaim. Originária da África tropical, trazida pelos iorubas para o Brasil , esta planta está aclimatada no país .É uma das plantas utilizadas para alterar o estado de consciência dos filhos de santo.O ewé ogbó é popularmente conhecido no Brasil como rama-de-leite, cipó-de-leite ou orelha de macaco.
Efum, wagi e ossum são três elementos africanos largamente utilizados no Brasil. Esses elementos simbolizam a iniciação sagrada nos candomblés nagôs. Representam as três cores da iniciação: o branco, o azul e o vermelho.Na festa pública, onde o yaô é trazido ao salão público , o rito compreende “três saídas”, ou seja, três aparições públicas do yaô. Esse triplo momento relaciona-se diretamente com o efum, uagi e ossum.O efum é um pó mineral branco, conhecido no Brasil como pemba africana.É substituído no Brasil pelo pemba brasileira(giz).O wagi é o pó vegetal azul e seu uso é largamente usado no Brasil, sendo freqüentemente importado da Nigéria. O ossum é um pó vermelho de origem vegetal.No Brasil seu sucedâneo é o urucum, elemento muito utilizado na culinária brasileira.
[1]www.dofonodelogum.sites.uol.com.br/orikifunorisas
[2] www.filhosdegandhirj.kit.net/texto_deuses.htm
[3] Conjunto de orixás particulares de cada pessoa
[4] BARROS, J.& Napoleão, E..,.Ewe Orisa: uso litúrgico e terapêutico dos vegetais nas casas de candomblé Jeje-Nagô , 2 ed., Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2003,pg.31.
Do Igbo ao Ilê: As Árvores e os Bosques Sagrados no Brasil
“Obanla o rin n'eru ojikutu s'eru. Obà n'ille Ifon alabalase oba patapata n'ille iranje. O yo kelekele o ta mi l'ore. O gba a giri l'owo osika. O fi l'emi asoto l'owo. Oba igbo oluwaiye re e o ke bi owu la. O yi ala. Osun l'ala o fi koko ala rumo. Obà igbo.
Rei das roupas brancas que nunca teme a aproximação da morte. Pai do Paraíso eterno dirigente das gerações. Gentilmente alivia o fardo de meus amigos. Dê-me o poder de manifestar a abundância. Revela o mistério da abundância. Pai do bosque sagrado, dono de todas as benções que aumentam minha sabedoria. Eu me faço como as Roupas Brancas. Protetor das roupas brancas eu o saúdo. Pai do Bosque Sagrado “
Oriki de Oxalá[1]
Igbo em iorubá quer dizer Floresta/ bosque.Para os iorubás, árvores, plantas, animais, rios, e montanhas representam forças sagradas. Paisagens contendo bosques, rios, são consideradas manifestações dos deuses e consagradas para sua adoração . Ilê , casa religiosa,é a denominação do espaço religioso no Brasil.Fatores históricos como o sistema escravista e a repressão policial aos cultos afro-brasileiros, fizeram que muitos ilês fossem construídos em lugares afastados dos centros urbanos.Porém a geografia do ilê teve que se adaptar a uma lógica transatlântica: a lógica dos bosques sagrados.
As referências aos Bosques Sagrados são antigas. “Santuários ao ar livre foram os primeiros templos dos deuses. Um lugar sagrado demarcado para uma deidade era chamado de temenos em grego e templum em latim” (Chandran, Gadgil, 2005). A palavra que os celtas usavam para designar santuário possui raízes próximas com a palavra nemus que em latim significa ‘bosque’; existe uma floresta sagrada dedicada à deusa da caça Diana que se chama Nemi (nome que se refere à nemus), este bosque fica pouco distante de Roma (Frazer, 1982). Na antiga língua germânica (teutônico) a palavra templo também era estreitamente ligada à semântica de floresta. A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) reconhece a existência de florestas sagradas em regiões mundiais como: Índia, Quênia, Australia. Um dos mais conhecidos Bosques Sagrados(sacred grove) é o de Oshogbo(Nigéria); neles encontra-se o magnífico Santuário da divindade do panteão iorubá Oxum. O bosque sagrado de Oxum- Oshogbo foi reconhecido como sacred grove pela Unesco em 2005.
A palavra ilê como sinônimo de terreiro é uma prática brasileira.O ilê é um espaço estruturado conforme os desígnios dos Orixás ,que objetiva estreitar os laços de parentesco de santo através de rotinas regulares de preceitos litúrgicos . No ilê , comumente, encontra-se uma salão principal, quartos sagrados dos orixás, árvores sagradas , peji(altar sagrado),cozinha de santo,quarto de jogo e um quarto especial denominado roncó, onde acontece o processo iniciático de “feitura de santo”. OS orixás têm sua preferências e seus interditos. O orixá Oxalá não gosta e barulho e de dendê . Esse orixá normalmente possui uma quarto e uma cozinha especial para seus rituais.Os orixás caçadores(odes) que na África possuíam moradas nos bosques também têm seus correspondentes locais nos ilês.Moram no lado de fora da casa principal, assentados em pés de árvores .
Essa característica se remete à atividade de caça, primordial para o povo iorubá.Assim Oxossi, Ogum. Obaluaiye terão suas moradas no bosque sagrado dos terreiros.Oxóssi é o Orixá caçador, rei da nação Ketu e patrono de todas as casas de Ketu. A morada de Oxossi é nas matas , tem domínio sobre os animais de grande porte assim como os pássaros noturnos. Oxóssi é um orixá ode , caçador, não suporta ficar preso. Assim como seus filhos é arredio, independente e amante da liberdade.Diz um trecho de um dos seus orikis(rezas):
“Oxossi, Òrìsà que vive tanto em casa de barro ,como em casa de folhas.”[2]
É essa imagem arquetipica de Oxóssi e isso reflete na escolha de seus assentamentos nos bosques sagrados.Ogum, irmão mais velho de Oxossi, é o guerreiro, o desbravador de estradas, o que abre caminhos. Ogum não gosta de nada que incomode a sua caminhada.Ogum também é caçador e sentinela por isso está sempre assentado no lado de fora da casa principal.Ainda ,segundo os iorubás ,Ogum é irmão de Exu e com este ronda , vigia e pune os malfeitores. Ressalta-se também o orixá Obaluaye , orixá cujo culto é oriundo do Antigo Daomé, dos denominados povo jeje . Obaluaye tem função de caçador na África.No Brasil, caracterizou-se como orixá das moléstias e por esta razão ,muitas vezes, é explicado a razão de seu assentamento ser fora das casa principal. Há uma conhecida lenda que conta explica a ausência dos objetos sagrados de Obaluaye da casa principal:
Um dia, ela foi conquistar o reino de oxalá e se apaixonou por ele.
Mas este não queria se envolver com outra orixá que não
fosse sua amada esposa yemanjá. Por isso, explicou tudo a nanã,
mas ela não se fez de rogada.
Sabendo que oxalá adorava vinho de palma, embriagou-o.
Ele ficou tão bêbado que se deixou seduzir por nanã,
que acabou ficando grávida. Mas por ter transgredido
uma lei da natureza, deu a luz a um menino horrível,
não suportando vê-lo, lanço-o no rio.
A criatura foi mordida por caranguejos, ficando toda deformada.
Por sua terrível aparência, passou a viver longe dos outros orixás.
De tempos em tempos os orixás se reuniam para uma festa.
Todos dançavam, menos obaluaiyê, que ficava espreitando da porta,
com vergonha de sua feiura. Ogum percebeu o que acontecia e,
com pena, resolveu ajudá-lo,
trançando uma roupa de mariwo - uma espécie de fibra de palmeira -
que lhe cobriu todo o corpo.
Com este traje ele voltou a festa e despertou a curiosidade de todos,
que queriam saber quem era o orixá misterioso.
Yansã, a mais curiosa de todas, aproximou-se, e neste momento,
formou-se um turbilhão e o vento levantou a palha,
revelando um rapaz muito bonito.
Desde então os dois orixás vivem juntos,
e os dois passaram a reinar sobre os mortos”[3]
A floresta tem papel central nos cultos iorubás tanto na África ,quanto no Brasil.Na África os santuários, os templos , a morada dos deuses é dentro das matas , aos pés de árvores sagradas Na África, os ritos iniciáticos são realizados na floresta.Roger Bastide e Pierre Verger , ao pesquisarem o rito de Xangô na África e no Brasil constataram que as yaôs ficavam encerradas na floresta para rituais de iniciação.No Brasil, os roncós são cobertos de folhagens e muitos ainda utilizam chão batidos de terra para resgatar uma equivalência simbólica das florestas/ santuários africanos.
A floresta além de servir de morada para os Orixás , também é o local do sombrio, das forças que precisam ser controladas. É na Floresta que moram os mortos.
Os mortos são denominados Eguns (espíritos de mortos) ou Egungum.(espíritos de mortos que foram sacerdotes do culto aos Orixás).O culto é de exclusividade masculina . Para que a morte volte à terra em forma espiritual e visível aos olhos dos vivos é preciso de ritos específicos executados pelas mãos dos Ojé (sacerdotes) munidos de um instrumento invocatório, um bastão chamado ìsan[4], que, quando tocado na terra por três vezes e acompanhado de palavras e gestos rituais, faz com que a "morte se torne vida".No Brasil a casas mais antigas de culto a Egungun é Ilê Agboulá, , em Itaparica, Bahia .[5]
A ancestralidade feminina recebe o nome de Yá mi Agbá (minha mãe anciã). Sua energia como ancestral é aglutinada de forma coletiva e representada por Yá mi Oxorongá (minha mãe feiticeira), chamada também de Yá Nlá, a grande mãe. As sociedades(egbés) que representa este poder de ancestralidade coletiva feminina são denominadas "Sociedades Geledê", compostas exclusivamente por mulheres, e somente elas detêm e manipulam este temível poder. O medo da ira de Yá mi nas comunidades africanas é tamanha que, nos festivais anuais na Nigéria em louvor ao poder feminino ancestral, os homens se vestem de mulher e usam máscaras com características femininas, dançam para acalmar a ira e manter, entre outras coisas, a harmonia entre o poder masculino e o feminino.A morada das Ya mi Oxorongá são as grandes árvores dos bosques sagrados. Também conhecida como eleiye (a proprietária do pássaro), Yá mi Oxorongá assume a forma de um grande pássaro que habita as noites das florestas.As aves de hábito noturno ,como a coruja,pertencem a Yá mi Oxorongá .Pierre Verger ao estudar o culto ancestral feminino na África encontrou a seguinte lenda:
O poder de íyàmi serve para o bem e para o mal
Ogbè Sá sobe na árvore
Ogbè Sá sobe no teto
Ifá é consultado para todas as eleye,
quando elas vieram do além para a Terra.
quando elas chegaram sobre na Terra,
Elas dizem que elas queriam ter uma residência .
Elas dizem, sete residências são os sete pilares da Terra.
Elas dizem, estes sete são os lugares onde farão suas residências.
Elas dizem que elas terão uma primeira residência.
Elas dizem, elas ficarão sobre a árvore iwó que nós chamamos orógbó.
Elas dizem, quando elas partirem de cima do orógbó,
Elas dizem, elas ficarão sobre a árvore arère.
Elas dizem, quando elas tiverem tido uma reunião sobre a arère,
Elas dizem,elas ficarão sobre a árvore de osè .
Elas dizem,quando elas deixarem osè,
Elas dizem,elas ficarão sobre a árvore ìròkó.
Elas dizem, quando elas elas deixarem ìròkó
Elas dizem, elas irão sobre a árvore iyá
Elas dizem, quando elas deixarem a iyá,
Elas dizem, elas ficarão sobre a árvore àsùrìn,
Elas dizem,quando elas deixarem a àsùrìn,
Elas dizem,elas ficarão sobre a árvore òbòbò,
que é o chefe das árvores dos campos[6]
Verger identifica seis dessas árvores. O orógbó é árvore de orobô (Garcinia livingstoni T. Anders.,),semente sagrada do Orixá Xangô.O arerê é identificada como Triplochiton nigericum.Osé(Adonsonia digitata L.,Bombacaceae) é conhecida no Brasil como baobá e árvore dos mil anos.A árvore de ìròkó((Fícus doliaria M.) é a mais sagrada árvore dos cultos afros.A árvore iyá é identificada como Daniellia oliveri. Àsùrìn é classificada como Erythrophelum guineense.A sétima árvore, òbòbò,não é identificada pelo autor.
Na África, o culto ao poder ancestral feminino está relacionado a essas sete árvores.No Brasil, o culto a Ya mi Oxorongá é muito restrito e as sociedades geledes são praticamente inexistente.Isso,possivelmente ,é resultante do temor e da restrição que sacerdotisas antigas tinham em passar certos conhecimento rituais.No candomblé , o culto a Ya mi Oxorongá é reservado a assentamento em árvores específicas como cajazeira(Spondias lútea L.)ou jaqueira(Artocarpus integrifolia L.f.).
A Jaqueira conhecida entre o povo iorubá como Apáòká( opa = cajado + Oka= serpente africana) é uma árvore de origem indiana, disseminada por diversas áreas tropicais e subtropicais, inclusivise África e Brasil .Apáòká é uma divindade fitomórfica, considerada mãe do orixá caçador Oxossi. Embora a dendrolatria da jaqueira ainda seja forte no Brasil, o culto do Orixá Apáòká é praticamente esquecido.Grande parte dos mitos já desconsideram a maternidade de Apáòká ,concebendo como mãe de Oxossi a divindade Yemonjá.
Entre as árvores de origem africanas relacionadas ao culto de Ya mi Oxorongá estão a cajazeira conhecida em ioruba pelos nomes de igí íyeyé e okinkán, também é denominada no Brasil como taperebá.Esta planta está disseminada por várias regiões do Brasil.À esta árvore é atribuída fortes valores místicos, sendo uma planta de muito fundamento nos cultos afro-brasileiros.Por ser um relacionada ao poder ancestral feminino, muitas casas religiosas proíbem o consumo dos seus frutos pelos candomblecistas.
Outra forma de dendrolatria é o culto a Iroko, o orixá que habita a gamaleira branca (Fícus doliaria M.),. A Gameleira é uma árvore de grande porte. Suas raízes se espalham, formando uma base característica da espécie.É também conhecida como figueira ou “mata pau”, pois se origina como uma parasita, sufocando o hospedeiro com o tempo para se tornar uma árvore autônoma. Também é conhecida como Figueira-grande, figueira-branca, guapoí, figueira brava, guaporé. O leite do seu tronco é usado na medicina caseira para para expulsar vermes e combater a hidropsia.No Brasil a gameleira substitui o verdairo Iroko Africano (Chlorophora excelsa), uma morácea conhecida na África como ero iroko.Tem conotação sagrada na Africa e é muito cultuada no candomblé. Dizem que nunca se retira um pé de gameleira, esteja onde estiver e que não se retira suas folhas depois do meio dia, pois ela passa a pertencer ao Orixá Exu se tornando muito quente.Também se fala que a gameleira é a árvore primordial que foi dada aos homens, e existe desde sempre.
“No começo dos tempos, a primeira árvore plantada foi Iroco. Iroco foi a primeira de todas as árvores, mais antiga que o mogno, o pé de obi e o algodoeiro. Na mais velha das árvores de Iroco, morava seu espírito. E o espírito de Iroco era capaz de muitas mágicas e magias. Iroco assombrava todo mundo, assim se divertia. À noite saía com uma tocha na mão, assustando os caçadores. Quando não tinha o que fazer, brincava com as pedras que guardava nos ocos de seu tronco. Fazia muitas mágicas, para o bem e para o mal”[7]
Em vários terreiros da Brasil encontramos grandes e imponentes árvores Iroko plantadas no espaço sagrado. Deve-se observar que a árvore em si não é a divindade.Para tal é preciso cumprir rituais para que o deus se sacralize na árvore. Após as oferendas e sacrifícios, a árvore deixa de ser um simples vegetal e passa a ser a morada-templo do deus Iroko. Como um local santo, passa a ser paramentado como tal: com laços de panos brancos amarrados em seus galhos e troncos. Junto a suas raízes expostas, são colocadas oferendas: alimentos, quartinhas (recipientes com água) e sacrifícios votivos são regularmente realizados.Roger Bastide em duas obras distintas – Imagens do Nordeste Místico em Branco e Preto e em Candomblé da Bahia – faz uma importante alusão ao interdito de tocar em uma árvore Iròkò consagrada. Um dos mitos relata uma terrível punição sofrida por uma mulher que teria tocado o Iròkò sem ter cumprido o período de abstinência sexual antes de fazer as oferendas ao deus (foi engolida pelo tronco da árvore).
“Alguns terreiros possuem igualmente uma árvore sagrada que é vestida, enfeitada de fitas, coberta de tecidos, rodeada por um círculo mágico – a gameleira que os ‘nagôs’ chamam de Iroko e os ‘gêges’ de Loko; se cortasse um ramo dessa árvore brotaria sangue”[8]
Pierre Verger expôs no seu memorial livro Notas sobre o Culto aos Orixás e Voduns, 1999)uma série de textos sobre a divindade Iroko ou Loko, entre os jejes .Entre estes textos se destaca o de Nina Rodriguês e de Melville Herskovits.
Diz Rodrigues que
A fitolatria africana na Bahia parece ter duplo sentido. A árvore pode ser um verdadeiro fetiche animado ou, ao contrário, mal representa a morada ou altar de um santo. A gameleira branca (Chlorofora excelsa), árvore abundante neste Estado, é o tipo da planta deus. Com o nome de Iroco é objeto de um culto fervoroso. Mais de uma mãe de terreiro exortou-me a jamais permitir que se abatesse uma gameleira em um terreiro de minha propriedade, pois tal sacrilégio foi causa de grandes infortúnios para muita gente..[9].
Herskovits afirma sobre Loko, orixá da gameleira entre os jejes
“...este deus é importante para a compreensão da religião daomeana, na medida em que oferece uma visão das inter-relações dos diversos cultos no Daomé. Entre as divindades do céu, Loko é encarregado de cuidar das árvores que se encontram na terra e suas funções são de tal modo significativas que ele tem como assistente seu jovem irmão , Medje.
As árvores têm alma e são associadas aos espíritos denominados Aziza, que, por um lado, dão a magia aos homens, por outro, são associados ao culto dos antepassados.
Que Loko seja o deus das árvores e que as árvores tenham uma alma explica a importância do emprego das folhas na prática medicinal e religiosa no Daomé e estabelece a declaração de um informante, sacerdote: "Se alguém souber o nome e a história de todas as folhas da mata, saberá tudo o que existe para saber a respeito da religião daomeana".[10]
Outras árvores sagradas para os iorubás são as de obi(Cola acuminata) , orobô (Garcinia livingstoni T. Anders.,) e aridã( Tetrepleura tetráptera).São três espécies originárias da África e trazidas por escravos ao Brasil e muito usadas nas liturgias dos candomblés.
O obi também conhecido como noz-de-cola( Cola acuminata) é uma esterculiácea relacionada as divindades Ossaim e Orumilá. A árvore da noz de cola pertence a Ossaim , mas a semente de seu fruto (obi) é utilizado em oferendas para diversos orixás. Existe diversas espécies de obi: o obi funfun(obi branco), o obi pupa(obi vermelho) oferecido ,preferencialmente , ao orixá Exu. Os obis também se diferenciam de acordo com a quantidade de gomos: obi gbanja(obi de dois gomos) e obi abata(obi de três gomos) . Utilizados largamente para confecção dos rosário de opele –Ifá necessários à prática oracular do jogo de ifá, o obi é elemento sagrado para os iorubás relacionado-se com o deus da adivinhação Orunmilá.Diz o pesquisador e ogã José Beniste sobre o obi
Fruto usado tanto para a prática religiosa como para alimentação , pelo seu alto valor nutritivo.Com apenas alguns gramas reduzidos a pó , permite empreender longas caminhadas e realizar trabalhos pesados sem se sentir fome ou cansaço, tendo sido utilizado com freqüência pelos escravos.Já foi usado como moeda corrente e representa a melhor garantia de um juramento feito ou de um compromisso assumido.[11]
O obi é um interdito do Orixá Xangô pois ,segundo a tradição oral, o deus do trovão teria se enforcado aos pés de uma árvore de obi.A Xangô se oferece o fruto do orobô.
O orobô apresenta duas espécies principais : a livingstoni e a Garcinia Kola, conhecida na África como iwó.A primeira é considerada mais apropriada pelos especialistas, contudo a última é encontrada com mais facilidade.O orobô é o fruto dos orixá Xangô e pertence ao elemento fogo.É utilizada em jogos divinatórios , em oferendas. Segundo a crença iorubá,quando ralado e misturado a determinados banhos de ervas tem a capacidade de trazer prosperidade e proteção.
Fruto em formato de pêssego e cuja semente em formato liso e ovalado é indispensável nas oferendas a Sángò. “ Orógbó ní obí bàbá mi/O orògbó é o obi de meu pai”.Ao contrário do obí , não abre em gomos, sendo, portanto, necessário um tipo de corte especial para ser oferecido como oferenda e modalidade de jogo[12]
O aridã é uma árvore de origem africana cultivada no Brasil graças ao seu uso litúrgico nos candomblés.Os frutos do aridã são favas que segundo os iorubás são importantíssimas para combater feitiços inclusive os das temidas Ya mi oxorongá (as mães feiticeiras). Pertence ao Orixá Ossaim e está ligado ao elemento Terra.
Por fim, é interessante ressaltar o trabalho do antropólogo Raul Lody que listou as doze árvores sagradas para os cultos afro-brasileiros. São elas:
Gameleira branca_______Orixá Iroko
Mangueira_____________Orixá Oxum
Pitangueira____________Orixá Ossaim e Oxum
Cajazeira______________Orixá Ogum
Dendezeiro_____________Orunmilá- Ifá
Coqueiro-da-bahia________Caboclo
Bambu_________________ Orixá Oya
Pinhão Branco___________ Orixás Ogum, Oxossi , Oya
Jaqueira_________________Orixá Apaoka, Xangô e Exu
Cactus__________________Vodum Azizã- culto jeje
Peregum________________Orixá Ossaim
Ginjeira________________Tobossi- culto Casa de Minas/MA
A lista é variável conforme a modalidade e a localidade de culto, porém atesta a variedade e a enorme contribuição do cultos afro-brasileiras que ,através da dendrolatria, ajudou a preservar diversas espécies de árvores.
Embora o uso de plantas nativas do Brasil seja corriqueiro nos candomblés yorubás, as plantas importadas da África são as que possuem maior valor simbólico como a Gamaleira.Talvez por estas plantas estarem ligadas ás trocas comerciais transatlânticas e remeterem ao sempre nostálgico retorno a Terra Mãe. No candomblé nada se faz sem obi e orobô.Eles representam a fala dos orixás, eles determinam o sim ou o não da aceitação das oferendas. Representa a licença sagrada para o culto.Do obi depende a iniciação do adepto candomblecista .Ele é premissa para o culto à Ori, a cabeça.Pois na tradição oral do povo de santo em Ori buruku (cabeça ruim) não se faz orixá.
A natureza também cria tradições nas dinâmicas do espaço-tempo e na readaptação e transmutação das agências dos atores sociais.
“Os terreiros reelaboraram a noção de família e o sentimento de pertencimento comunitário, social e etnocultural, dando mãe(de santo), irmãos ( de santo) , casa (de santo) e família (de santo) aos que nada tinham .A partir da relação de fé proporcionada pelo advento religioso consolidaram a representação do continente negro africano no Brasil, reproduzindo , por meio de pequenas casinholas ou quartos destinados a divindades específicas, as regiões de culto aos orixás do que hoje , representa a África Negra.Construíram , assim, a áfrica nos quintais brasileiros, por meio de recordações ou mesmos da invenção de práticas oriundas das terras africanas em composição com a realidade brasileira”[13].
Nestas constantes mudanças, parafraseando o povo de santo, cada um puxa a sua folha para seu lado.
[1] http://aps18.sites.uol.com.br/oriki_osala.html
[2] www.lendas.orixas.nom.br
[3] www.orixas.com.br
[4] “Vara feita de um galho de árvore denominada àtóri ( Glyphaea Lteriflora) ou feita das nervuras da folha do Igi òpe ( Elais Guineensis), entre nós conhecida como dendezeiro.Tem 1,60 de altura e, quando não utilizada, deve permanecer de pé.São os ojé que se utilizam do ìsan para invocar e conduzir os espíritos Egúngún, além de impedir que as pessoas toquem em seus tecidos.” (BENISTE,2006).
[5] www.ceao.phl.ufba.br/phl8/popups/snt_r2.pdf
[6] Verger,Pierre Fatumbi. “Esplendor e Decadência do culto de Ìyàmi òsòròngà – Minha mãe Feiticeira- entre os iorubas.in:Artigos/Pierre Verger.Editora Corrupio,São Paulo,1992.
[7] PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 164.
[8] BASTIDE, Roger. Imagens do Nordeste Místico em Branco e Preto. RJ: Emp.Gráfica “O Cruzeiro”1945. p. 73.
[9] VERGER, Pierre. Notas sobre o Culto aos Orixás e Voduns. São Paulo: EDUSP. 1999,pg.519.
[10]IBDEM (25).
[11] BENISTE,José.Mitos Yorubás: o outro lado do desconhecido .Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2006.p119.
[12]Ibdem,2006.p103.
[13] Conduru,Roberto.Àwon olodé: os senhores da caça.Rio de Janeiro:IPHAN,CNFCP,2004,pg.12.