quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Galo que hoje canta, ainda ontem era pinto: uma análise sobre o processo de formação religiosa no candomblé e na umbanda


por Cintia Raymundo




Orelha não passa a cabeça diz os antigos.As religiões de matriz afrobrasileiras se caracterizam por um complexo sistema hierárquico meritório, temporal e , principlamente, predeterminado.
O candomblé possuí um sistema classificatório de formação religiosa: abiã,yawô, ebômi.
Abiã é o adepto na fase inicial dos ritos iniciáticos.Ele aprenderá o que for permitido.Será integrado a comunidade e terá tempo para se certificar de suas decisões.Muitos, por determinação do orixá, continuam abiã por muito anos.O yawô é aquele com menos de sete anos de iniciação, onde o neófito é consagrado ao Orixá.Assim definiu o etnólogo Herskovits
O iniciado é agora feito, um membro júnior habilitado do grupo de candomblé.Como tal, o novo iaô tem a oportunidade , não concedida a estranhos, de aprender o trabalho dos deuses e participar do culto público..
Os ebômis são os iniciados que completaram a obrigação de sete anos.São consideradas pessoas a quem deve respeito e a quem sempre devem ser ouvidas.Estruturam o que o antropólogo Vivaldo da Costa Lima denominou "princípio da senioridade". Um complexa rede socioreligiosa construída com tempo , abnegação e merecimento.A partir da obrigação de sete anos, o ebômi se torna apto a assumir cargos dentro do axé.O cargo de santo é uma atribuíção determinada pelo odu e pelo Orixá.Pré determinado, é ancestral.Atribuíção de cargo por motivos pessoais sempre ocasiona, com o passar do tempo, brigas e rupturas.O orixá sempre faz valer a sua vontade.
A relação entre o candomblecista e a divindade é fundamentada através das "obrigações",liturgias pós iniciação que se denomina respectivamente: obrigação de 1 ano, obrigação de 3 anos e obrigação de 7 anos.Elas não necessariamente obedecem ao tempo decorrido.Uma pessoa com vinte anos de iniciada que não completou o ciclo de obrigação de sete anos não será considerada ebômi.Assim como um pessoa com seis ou menos anos jamais poderá passar pela obrigação de 7 anos.Os antigos preservaram e perpetuaram essa tradição de formação religiosa.Talvez a dinâmica do tráfico escravista possa somar as explicações para este sistema religioso.Muitos escravos poderiam ser iniciados e , posteriormente, vendidos, rompendo alianças religiosas.Para assegurar uma continuidade e preservar saberes o sistema de obrigações cíclicas se tornou eficiente para candomblé.Permitiu criar parâmetros de legitimidade e reforçar o príncipio de senioridade.
Para os antigos,nenhuma pessoa pode se declarar babalorixá ou yalorixá sem passar pelo ciclo de obrigações e sem receber o decá, símbolo certificador que o adepto possuí odú e está autorizado pelos Orixás a abrir uma casa de santo.
Na década de 30, o folclorista Édison Carneiro analisou casos de pessoas que se tornavam zeladores sem obedecer a uma tradição de candomblé.Muitos eram candomblés de caboclos onde o encantado assumia a responsabilidade sobre o preparo religioso do sacerdote.Era , na época,um novo segmento, que embora fosse muito questinado,existe e possuí muitos adeptos.Atualmente, muitos desses candomblés adotam o sistema de obrigações ciclícas.
O processo de formação religiosa na umbanda é caracterizado pela doutrinação.Médium e entidade seguem a doutrina de determinada casa. Há tradições de umbanda direcionada por preto velho, com forte influência africanista.Outras seguem a tradição dos caboclos, marcados pela pajelança e jurema e outros seguem uma orientação espírita e/ou esotérica. A umbanda possuí rituais de senioridade: camarinhas, firmezas, batismos e amacis.Muitas obedecem ao sistema de sete anos, com rituais ciclicos e específicos de cada tradição Importante ressaltar que o determinante para a Umbanda são as entidades.Elas são as donas de gongá,determinam o caminho da espiritualidade do médium e a orientação da casa religiosa.Não há sacerdócio na Umbanda sem Entidade Espiritual.O médium a qual a entidade determina a abertura de uma casa deve ser preparado, passar por obrigações, saber preparar defesas, familirizar com os códigos de santo.Abrir uma casa de umbanda sem preparo signica lidar com o desconhecido,ocasionando danos a vida dos sacerdotes e de terceiros.
O mais importante tanto na umbanda e no candomblé é saber que sacerdócio é ancestralidade, é comprometimento e abnegação.O candomblé chamará de odú e alguns umbandistas chamará de missão.Como diz o ditado "Galo que hoje canta, ainda ontem era pinto", ou seja é preciso aprender para ensinar.

Mães

E antes de tudo tinha a Grande Mãe
por Cintia Raymundo






Oduduwa, orixá do negro
Lua Minguante , primordial
Mulher que completa o que o homem não consegue terminar
Mulher que sobrepuja astros
Mulher que regozija com êxito
Aspecto maduro, criação
Mulher que atemoriza mitos
Face de ave
Mulher poderosa que delega funções
Ancestral,nós te saudamos
Mulher negro que compartilha segredos com Nãnã,orixá púrpuro
Nãnã, senhora de poucos humores
Que se veste com esmero sem vaidades
Mulher que conhece os homems a ponto de evitá-los
Sábia que vitimiza a falsidade
Anciã,Velha senhora da criação
que se escondeu para guardar segredos
Que confidencia com as ancestrais
Aspecto soturno da lua minguante
mulher que sabe conviver com sua culpa
Digna carregando sua penitência.


Mulher da lua negra
Euá Lua Nova
menina arisca,
imaculada
menina que poucos vêem, só se ouve falar
jovem que não se deixa conhecer
herdeira de segredos ancestrais
menina moralista com manias de velha
obscura lua nova que não mostra a face
menina que dorme ao pé de Iroko
junto com as feiticeiras
Menina mulher encantada de muitas formas
vermelho pó de ossum
faixa branca do arco íris
amarelo ouro da rica serpente
rosa encarnada do entardecer
menina que cura como velha
menina do adô
menina que conjura como velha
advinha, bela
engana a morte
faz vatícinios
até orunmilá é seu devedor
Menina rosa salmão encantada
como Oya Onirá
Menina bela e estranha que anda na encruzilhada, anda em cemitério
que está no rio, que está na estrada
vento branco e fogo vermelho ao mesmo tempo
ninfa encantada , transformação
ninguém pode dizer com segurança onde ela está
face oculta lua nova

e em pouco tempo surge lua crescente
Oya, Iansã
Orixá que acorda pronta com a guerra
Mulher que fala com um o que falaria para todos
Mulher conquista que destesta bajulações
Mulher que diz "o vento faz curva"
leva tudo: palavras, sentimentos , vingança
Mulher esposa de um rei que prefere usar sua própria coroa
Mulher armada, perigosa a quem poucos enganam
Mulher ejé, fertilizadora
Paixão rápida, arrebatadora
Temperamental
Fascínio impetuoso
quem nunca viu Oya irritada, ainda está para nascer
Orixá mulher que nos livra do efadonho
Que nos permite expulsar os mentirosos
Mulher poderosa que negocia com a morte
Mulher que faz tudo se perder quando está descontente
Oya, nós te veneramos
Lua crescente, fecunda, gema de ovo, fertilidade
Oxum, mulher que tem orgulho de ser mulher
Que porta armas discretamente
que recebe seus inimigos sorrindo
é sincera em seu cinismo
Orixá barriga do mundo,útero
Rainha que usa quantas coroas puder
Orixá amarelo- ovo, fertilidade
amarelo- coral, guerra
amarelo-ouro, riqueza
amarelo-mel, feitiço
Mulher que se faz ser bela
Vaidosa, ciumenta e digna
Toda mulher é Oxum
Mulher que se enfeita no rio, mulher que batiza,
que faz atividades obscuras na mata, feitiçaria
Mulher que tem um vestido novo para cada ocasião
que tem muitas fases: jovem,mulher, anciã
que tem quantos maridos quiser
Mulher do amor doce
que pode se refletir no espelho das ancestrais
Herdeira preferencial
Nós te saudamos!

Orixá maturidade, fecundável...lua cheia
Yemanjá, conhecedora de todos os pensamentos
Ya Ori
Grande seio do mundo
Instável senhora a quem todos respeitam
que chora com propriedade
que reclama em cada oportunidade
que conserta aquilo o que ela mesmo estragou
e saí venerada
Senhora Mãe que tantas mitologias se prezam a eternizar
encantada dos mares
recebe a todos
cuida de todos
sem nada esquecer
Mulher mistério, multifacetada
que guerrea com ogum
e pacifica com Oxalá
Mulher que traz o que está longe
que unifica famílias
mulher esposa fértil
que sabe fugir na hora certa
que sabe fingir na hora certa
mulher que diz pelo olhar
Mulher de guerra e madura é Oba
Plena, sábia como a lua cheia
Líder de sociedade secreta
Mulher que lida com fogo
mulher amazona que caça com presteza
Oba que faz arder paixões, ciumenta
quer ter o que a ela julga pertencer
que transforma humilhação em força
Mulher que não se apresenta a tóa
Ancestral que se encanta nos sentimentos mais espontâneos da humanidade
Nossas reverências

E assim, em toda cultura, a Grande Mãe tem várias fases como a Lua, protagonista da noite...